A tese não é minha, mas me fez enorme sentido: Desertos de Notícia incendeiam radicalismo e divisionismo nacional.
A tese é defendida por cientistas políticos, acadêmicos, editores e jornalistas na Europa e nos Estados Unidos. E, na verdade, é bem simples. Vamos lá.
Com a perda dos órgãos noticiosos locais, os fóruns de discussão política mais ricos desaparecem. A diversidade de opiniões socialmente se invisibiliza. Ascende o jargão, o sincretismo empobrecido por variâncias resumidas e reduzidas a mínimos comuns. Resultado: a sociedade racha divisionisticamente no meio. Ou é isso, ou é aquilo.
Conhecemos bem isso aqui no Brasil, mas estamos acompanhando o mesmo também nos noticiários internacionais dos fatos políticos recentes nos Estados Unidos, França e Inglaterra, dentre as maiores nações globais: ou é isso, ou é aquilo.
Uma dessas estudiosas é a hoje analista social Judy Woodruff.
Judy Carline Woodruff é uma renomada jornalista de televisão americana, conhecida por sua extensa carreira no jornalismo televisivo desde 1970.
Cobriu todas as eleições presidenciais dos EUA desde 1976 e ocupou papéis significativos na NBC, CNN e PBS. Sabe muito bem o que fala.
Em seus mais recentes estudos, examinou exatamente o tema: como a perda de milhares de jornais locais nos EUA está privando as comunidades de parte do tecido social que as mantém unidas e fomentando a divisão.
“Durante grande parte da história do país, os jornais locais desempenharam um papel fundamental em unir as comunidades, destacando desafios e eventos comuns que ligam as pessoas, como esportes escolares e as disputas políticas locais”, analisa ela.
Sua análise se dá diante de um cenário desértico.
Nos EUA, cerca de 2.500 jornais locais, um quarto do total, fecharam desde 2005, segundo a Escola de Jornalismo Medill da Universidade Northwestern.
Nesse mesmo período, a receita dos jornais despencou de 50 bilhões para 20 bilhões de dólares.
As organizações de notícias que conseguiram sobreviver estão operando com margens extremamente estreitas.
Um quinto dos residentes dos EUA agora vive em desertos de notícias, onde os moradores têm acesso muito limitado a notícias e informações confiáveis e abrangentes.
Para ela, não há dúvida: radicalismo e divisionismo florescem nos desertos.
Outro a concordar com a tese é Steven Waldman.
Steven Waldman é um jornalista americano, presidente e cofundador do Report for America, um programa de serviço nacional que coloca jornalistas em redações locais.
Ele também é o fundador e presidente do Rebuild Local News, uma organização sem fins lucrativos dedicada a enfrentar o declínio do jornalismo local e fortalecer a democracia.
Em recente artigo de opinião para o renomado The Atlantic, ele diz o seguinte:
“Você provavelmente já leu sobre o colapso das notícias locais nas últimas duas décadas. Em média, dois jornais fecham a cada semana. Cerca de 1.800 comunidades que costumavam ter notícias locais agora não têm. Muitos dos jornais que ainda resistem são forçados a operar com equipes mínimas, enquanto seus proprietários, muitas vezes firmas de private equity, buscam cortar custos. O número de funcionários das redações de jornais caiu 57% de 2008 a 2020, segundo um estudo do Pew Research, levando a milhares de “jornais fantasmas” que mal cobrem suas comunidades.
Nos últimos 15 anos, tenho participado de um esforço para reverter essa tendência. Isso significa que me acostumei a falar sobre a ameaça que os desertos de notícias representam para a democracia americana. Afinal, todo o conceito de autogoverno democrático depende de o povo saber o que os funcionários públicos estão fazendo. Isso é impossível sem uma imprensa vigilante. Pesquisadores ligaram o declínio das notícias locais à diminuição da participação dos eleitores e a taxas mais altas de corrupção, além de aumento da polarização e de eleitos mais ideologicamente extremos”.
Desastrosamente, isso tudo faz um enorme sentido.
Tem saída? Claro que sim. A óbvia ululante: fomento ao noticiário, jornalismo, editores e mídia locais.
Como? Eu sei. Conto em outro artigo.