Óculos inteligentes nas bibliotecas municipais devolvem autonomia e prazer de ler a quem perdeu a visão

Aos 51 anos, o cearense Francisco Antônio Saraiva de Lima reencontrou, em São Paulo, algo que acreditava ter perdido para sempre: o prazer de ler. Morador de Itaquera, ele perdeu a visão aos 40 anos, após complicações de saúde que o afastaram do trabalho e o mergulharam em um longo período de depressão. A reaproximação com os livros veio de forma inesperada — por meio de um par de óculos inteligentes que transformam, em tempo real, o texto escrito em áudio.

Hoje, seu Francisco é presença constante na Biblioteca Mário de Andrade, no Centro da cidade. “O livro me curou da depressão”, diz, sorrindo. “Quando você escuta as palavras, sente como se estivesse vendo de novo”.

O equipamento, que parece um pequeno computador acoplado à haste de óculos comuns e custa até R$ 16 mil, escaneia qualquer tipo de texto — de romances a gibis, de jornais a cardápios — e o transforma imediatamente em fala. Também reconhece imagens, rostos e até cédulas de dinheiro. É uma tecnologia de ponta, mas o que ela devolve é algo essencial: autonomia e pertencimento.

Acessibilidade e inclusão são levadas a sério na cidade de São Paulo. Cada uma das 54 bibliotecas municipais conta com, no mínimo, dois óculos, que podem ser usados nas dependências das unidades. Com eles, as pessoas podem trazer ou pegar qualquer um dos mais de 5 milhões de exemplares das estantes e ter acesso à obra, sem depender de livros traduzidos em braile ou audiolivros, democratizando o acesso às bibliotecas municipais na cidade de São Paulo.

O impacto dessa tecnologia vai além do empréstimo convencional de livros em braille ou audiolivros. Ao permitir que a pessoa com deficiência visual escolha diretamente qualquer livro da estante — revistas, gibis, jornais ou mangás — e tenha acesso imediato ao conteúdo, uma dimensão de autonomia e inclusão.

‘O livro me curou da depressão’
O primeiro contato de seu Francisco com a tecnologia veio por acaso. Ele lembra que estava no Centro da cidade quando foi abordado por uma funcionária da biblioteca. “Ela chegou e perguntou se eu queria conhecer óculos que liam livros. No começo, eu não queria. Estava meio triste, meio sem vontade. Mas ela falou com carinho, e eu aceitei. Ainda bem que aceitei”, conta, sorrindo. O convite mudou sua rotina: desde então, ele frequenta a biblioteca Mário de Andrade há quase sete anos, já leu dezenas de títulos e recomenda a experiência a todos. “O livro me curou da depressão. Quando você escuta as palavras, sente como se fosse vendo de novo”.

Na Biblioteca Mário de Andrade, a bibliotecária Aline Barbosa Petelin, 39 anos, é uma das responsáveis por transformar o ato de ler em uma experiência possível para quem já não enxerga. Ela acompanha de perto o uso de uma tecnologia com didatismo e entusiasmo. Aline explica que o equipamento principal é pequeno, “como um computadorzinho”, acoplado a uma haste lateral de um óculos comum. “A pessoa aponta o dedo para o texto, e ele lê em voz alta. Ele também reconhece algumas imagens e pode identificar rostos previamente cadastrados”, conta.

A tecnologia, segundo ela, é mais usada por quem perdeu a visão ao longo da vida ou tem baixa visão — já que o uso exige apontar o aparelho para o texto, o que o torna menos prático para pessoas cegas de nascença, que costumam preferir o Braille ou os audiobooks.

Francisco aprendeu a usar o equipamento com ajuda da equipe e hoje domina os comandos. “Aprendi o jeito de apontar, de escutar, de mexer. Agora leio o que eu quiser”, explica com orgulho. Entre os livros preferidos, cita histórias do Mazzaropi e biografias de pessoas que venceram desafios, “porque tudo que tá no livro é real”, diz.

Para ele, a biblioteca se tornou mais que um espaço de leitura — virou um ponto de encontro, acolhimento e aprendizado. “Eu falo para todo mundo no metrô: vai na Mário de Andrade, é pertinho e vale a pena. Pego livros para os meus sobrinhos. Quem não vai tá perdendo coisa boa”, afirma. Com humor e gratidão, seu Francisco resume o que a tecnologia devolveu a ele: “Conhecimento é vida. Hoje eu leio, converso, aprendo. O livro abriu de novo a minha mente — e o coração também”.

Espaços de inclusão
Destacando a importância e obrigatoriedade garantida por lei da inclusão de pessoas com deficiência à democratização cultural e ao direito de ir e vir, as bibliotecas públicas municipais de São Paulo se consolidam como espaços de inclusão, acessibilidade e cidadania.

O impacto das medidas tem sido significativo na promoção da autonomia para pessoas com deficiência visual. Com o uso do óculos-scanner, por exemplo, o leitor não está mais restrito apenas ao acervo adaptado (braille ou audiolivro), mas pode ele mesmo escolher livros em tinta normal, gibis, revistas ou jornais. Isso amplia as possibilidades de leitura e favorece a inclusão cultural.

Aline se orgulha ao citar o exemplo de seu Francisco, um dos leitores mais frequentes: “Ele vem quase todos os dias. Lê livros daqui e os que traz de casa. O equipamento devolveu a ele algo que parecia perdido: o prazer da leitura”.

A bibliotecária conta que outro frequentador, seu Pedro, aprendeu a usar o aparelho e hoje circula pela cidade com mais segurança e independência. Para ela, experiências como essas reforçam o propósito da biblioteca pública: democratizar o acesso ao conhecimento. “A leitura é um direito, e quando a tecnologia se alia à inclusão, o resultado é transformador”, diz.

Tecnologia
O equipamento pode ser aplicado não só em livros, mas também jornais, revistas, placas de rua, cardápios de restaurantes, nomes de lojas, mensagens do celular, placas de sinalização e folhetos.

Trata-se de uma pequena câmera inteligente que, acoplada às hastes de qualquer par de óculos, escaneia e lê, além dos mais variados tipos de textos, códigos de barras, cores, cédulas de dinheiro e até mesmo rostos que estiverem previamente cadastrados, em tempo real.

Confira os endereços das bibliotecas municipais

Além dos óculos-scanner, as bibliotecas municipais paulistanas oferecem outros recursos de acessibilidade para a leitura.

  • Acervo com quase 21 mil itens acessíveis: entre livros em braille, audiolivros, livros falados.
  • Dentre esses: 1.255 audiolivros, 10.914 livros falados, 8.704 livros em braille.
  • Seis bibliotecas funcionam como polos regionais especializados em acervo braille, com envio gratuito por remessa postal (cecorograma).

Iniciativas de inclusão
Central de Intermediação de Libras para deficientes auditivos – Para o público com deficiência auditiva, todas as bibliotecas oferecem o serviço da Central de Intermediação em Libras (CIL), que permite atendimento mediado por intérpretes. A programação cultural também conta com tradução em Libras, promovendo o acesso a eventos e atividades.

Bibliotecas apresentam acervos dedicados e infraestrutura acessível – O acervo acessível das Bibliotecas conta com quase 21 mil itens, entre eles 1.255 audiolivros, 10.914 livros falados, 8.704 livros em braille e livros digitais com narração por inteligência artificial. Seis bibliotecas funcionam como polos regionais de acervo braille, oferecendo empréstimos especializados e envio gratuito por cecograma (remessa postal sem custo), ampliando o alcance da leitura. São elas: Álvares de Azevedo, Brito Broca, Mário Schenberg, Paulo Setúbal, Prefeito Prestes Maia e Vicente Paulo Guimarães.

Além dos recursos tecnológicos, há uma capacitação dos bibliotecários e demais funcionários, que receberam treinamentos especializados para garantir que todos os frequentadores sejam atendidos com empatia e respeito às suas necessidades. A acessibilidade arquitetônica também tem avançado significativamente, com rampas, banheiros adaptados, piso tátil e balcões de atendimento com altura adequada.

Acessibilidade Digital
No campo digital, a plataforma BiblioSP Digital disponibiliza mais de 17 mil títulos com recursos de leitura em voz alta, ajustes de fonte, contraste, espaçamento e cor de fundo, além de audiolivros e um menu específico de acessibilidade.

O site do Sistema Municipal de Bibliotecas também é acessível, com audiodescrição e tradução automática para Libras, por meio do aplicativo Hand Talk, garantindo navegação inclusiva para pessoas cegas e surdas. Algumas bibliotecas contam ainda com salas de computadores e telecentros, que oferecem acesso gratuito à internet e recursos digitais, ampliando as possibilidades de inclusão digital para pessoas com deficiência.

Programação Inclusiva pelo Biblioteca Viva – Com centenas de atividades culturais que acontecem mensalmente nas bibliotecas públicas municipais, os equipamentos reafirmam seus espaços como polos culturais, com programação acessível fazendo parte de forma fixa. Por exemplo, na Biblioteca Nuto Sant’Anna, em Santana, Zona Norte de São Paulo, realiza-se um clube de leitura “Página 21”, voltado especialmente a pessoas com síndrome de Down todas as quintas-feiras, às 15h30, promovendo momentos de troca e valorização da diversidade, integração social e estímulo criativo, cultural e lógico.

O programa BebeLêtecas, voltado à primeira infância, é outro caso assertivo de inclusão, com livros táteis e contratação de programação acessível em libras e/ou com audiodescrição. A contação “Engatinhando com as histórias”, da companhia SImbora! Educação, Cultura, Leitura, Literatura e Brincar, que circula as bibliotecas desde agosto, usa, entre os livros para a atividade, livros em braille para crianças com deficiência visual.

As programações inclusivas gerais nas bibliotecas públicas municipais contam também com oficinas de memória para terceira idade todas as segundas às 09h45 na Lenyra Fraccaroli e todas as quartas às 14h na Alceu Amoroso Lima; e as oficinas de segunda, terça, quinta e sexta da Viriato Corrêa, em parceria com o Instituto Pinheiro, voltados ao público idoso, incluindo inglês e espanhol, criatividade e redes sociais.

A programação completa das bibliotecas de bairro e dos bosques e pontos de leitura, além de outras novidades e avisos, você encontra no site e nas redes sociais da Secretaria de Cultura e Economia Criativa. Consulte online os acervos da biblioteca da cidade aqui.

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