Lupa nos alimentos: prazo para adequação de rótulos e embalagens termina em 22 de abril

Depois de três anos e meio e uma decisão judicial contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o prazo para a adequação de rótulos e embalagens da maior parte dos alimentos e bebidas processados e ultraprocessados, com a nova tabela nutricional e o selo da lupa indicando altas quantidades de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada, finalmente termina na segunda-feira, 22 de abril.

Ainda que a implementação da nova rotulagem venha sendo realizada de forma vagarosa pela indústria alimentícia, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) reconhece a importância dessas mudanças na conscientização das pessoas e na adoção de hábitos mais saudáveis.

“A publicidade não pode falar mais alto nas embalagens dos alimentos e bebidas. O que as novas regras fazem é destacar, de maneira acessível e direta, as informações que de fato devem pesar nas decisões de compra, por exemplo, se o consumo daquele alimento tem impactos negativos na saúde. Os consumidores precisam estar cientes sobre a importância de ler o rótulo e de fazer escolhas mais saudáveis”, afirma a coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Laís Amaral.

Alimentos e bebidas processados e ultraprocessados com excesso de açúcar adicionado, gordura saturada e/ou sódio – nutrientes críticos relacionados ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, doenças do coração e hipertensão – devem apresentar o selo da lupa na parte da frente do rótulo ou embalagem, com o aviso “alto em”.

Além disso, todos os produtos alimentícios devem trazer a nova tabela de informação nutricional, incluindo a informação de nutrientes por 100 ml ou 100 gr, para que a comparação entre produtos seja mais fácil para o consumidor. As regras da rotulagem foram definidas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 429/2020 e Instrução Normativa (IN) nº 75/2020 da Anvisa.

Produtos de pequenos produtores e bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis terão até outubro de 2024 e outubro de 2025, respectivamente, para se adequarem à nova rotulagem.

“Na nossa percepção, as pessoas têm olhado com mais atenção para os rótulos que já possuem o aviso da lupa e têm evitado seu consumo em excesso ou escolhido outro produto, e isso é positivo para a saúde da população”, afirma Amaral.

Indústria deve obedecer decisão da Justiça Federal 

A data de 22 de abril de 2024 foi estabelecida como prazo-limite para que as empresas atualizem seus rótulos, conforme publicado no despacho nº 49/2024 da Anvisa, após decisão liminar da Justiça Federal de São Paulo que acatou a ação civil pública apresentada pelo Idec contra a prorrogação e descumprimento dos prazos originais.

Em outubro de 2023, a Anvisa emitiu uma resolução permitindo que as indústrias esgotassem o estoque de embalagens ainda não atualizadas às novas regras até outubro deste ano (RDC nº 819/2023).

Com a ação civil pública ingressada pelo Idec, a decisão judicial, publicada em fevereiro, determinou que a Anvisa se abstenha de adotar novas medidas que autorizem qualquer descumprimento de prazos ou mudanças na implementação da RDC nº 429/2020 e da IN nº 75/2020, que tratam das regras da rotulagem.

A liminar indica ainda que as empresas utilizem adesivos para atualizar as embalagens já produzidas com o selo da lupa e a tabela nutricional.

Desde a aprovação da RDC nº 429 e da IN nº 75, em 2020, a indústria alimentícia já teve três anos e meio para se adequar às regras de rotulagem.

Para o advogado do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Leonardo Pillon, a reputação da Anvisa sai manchada desse processo, após interferência nas suas decisões em razão do lobby da indústria alimentícia.

“A credibilidade científica da Anvisa fica abalada, por conta de toda essa interferência da indústria, que modificou o funcionamento de um processo decisório técnico para um processo sem transparência, enviesado pelos interesses comerciais das empresas interessadas no adiamento da nova rotulagem. Isso descredibiliza a reputação de uma agência até então conhecida por ser técnica e independente”, reforça.

Na avaliação do advogado do Idec, a decisão liminar da Justiça Federal consolida o direito das pessoas consumidoras de realizarem escolhas mais bem informadas sobre os potenciais efeitos prejudiciais à saúde decorrentes do consumo de produtos ultraprocessados e processados com o aviso da lupa frontal.

“A manutenção da liminar pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região mostra uma evolução democrática na forma como o Judiciário enfrenta as pressões de agentes econômicos em processos regulatórios. Essas estratégias de interferência da indústria, chamadas de captura corporativa, foram neutralizadas, evitando que futuras decisões regulatórias sejam capturadas por outros interesses que não sejam a proteção da saúde das pessoas”, explica Pillon.

Próximos passos do Idec para a rotulagem

Desde 2014, o Idec participa dos debates para garantir o direito das pessoas serem corretamente informadas sobre os ingredientes presentes nos alimentos e bebidas, com a definição de normas mais rígidas para a rotulagem, incluindo a luta pela criação do selo da lupa.

Além de monitorar a implementação da nova rotulagem, a partir de agora, o Idec vai acompanhar o processo de aprimoramento, que a Anvisa chama de Avaliação do Resultado Regulatório.

A fiscalização dos produtos e dos pontos de venda para a nova regra da rotulagem fica a cargo das vigilâncias sanitárias locais, que devem receber orientação da agência nacional.

Além disso, caso o consumidor encontre produtos com rótulos antigos, sem a nova tabela nutricional ou as lupas frontais quando claramente deveriam ter, supermercados e pontos de venda podem ser responsabilizados. De acordo com Leonardo Pillon, as lojas podem pagar pela irresponsabilidade de fabricantes que se negaram a atualizar os rótulos, usar adesivos da lupa e da tabela ou recolher produtos para substituir as embalagens.

Segundo Laís Amaral, o Idec também vai seguir pressionando a Anvisa para discutir os edulcorantes, que são adoçantes naturais ou sintetizados em laboratório, com uso prolongado não recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Já imaginávamos que a indústria passaria a aumentar o uso de edulcorantes nos produtos, justamente para escapar da classificação com a lupa do açúcar adicionado, então queremos pressionar para abrir o diálogo setorial sobre esse tema”, reforça a nutricionista e coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.

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