Por Ana Claudia Favano, especialista em Psicologia Positiva e educadora da Escola Internacional de Alphaville
A proibição do uso de celulares nas salas de aula tornou-se o tema central dos debates na área da educação. Seguindo uma tendência internacional adotada por países como a França, Espanha, Grécia, Suíça e México, o Brasil caminha para proibir os aparelhos do cotidiano escolar. Com o apoio popular de 86% dos brasileiros favoráveis à proibição – segundo levantamento realizado pela Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados – os projetos que estão tramitando em níveis estadual e federal tem tudo para serem aprovados e se tornarem lei. A nova lei, está muito bem fundamentada e sugiro a leitura das justificativas.
Mas a questão vai muito além de proibir ou permitir: é necessário refletir sobre como integrar os dispositivos ao ambiente escolar sem comprometer os pilares da formação pedagógica, sócio emocional e ética das crianças e adolescentes.
Celulares permitem acessar informações em tempo real, promovem a inclusão de alunos com necessidades específicas e enriquecem as práticas pedagógicas, por exemplo. A tecnologia, quando bem utilizada, é uma ferramenta poderosa; e a inteligência artificial é uma grande aliada em muitos aspectos. Mas o uso inadequado e sem propósito definido de celulares traz prejuízos inegáveis. A tecnologia quando usada para a interação, não substitui o vínculo afetivo das interações frente a frente e olho no olho, que desenvolve as habilidades humanas fundamentais, como a empatia, compaixão e de comunicação assertiva.
Estudos científicos apontam que o excesso de telas reduz a criatividade, prejudica a capacidade de atenção, causa estresse, distúrbios de sono, irritação, isolamento social e muitas vezes, se torna um catalisador de problemas como a dependência digital. Também está relacionado o aumento de casos de violência como o bullying e o cyberbullying, além de comportamentos antissociais, impactando diretamente o desenvolvimento emocional das novas gerações. Em casos extremos, como reflexo do uso desmedido dos aparelhos em casa, crianças e jovens chegam à escola apresentando sintomas de abstinência digital.
A discussão do tema precisa ser vista sob uma perspectiva ampla, que considera tanto os benefícios quanto os prejuízos que a tecnologia pode trazer ao desenvolvimento humano. Nesse sentido, a regulamentação do uso de celulares, como propõem os projetos de lei, é um passo importante, mas não é suficiente, pois, no contexto escolar, a dependência digital não é apenas um problema tecnológico, mas também uma questão moral e ética e deve se iniciar em casa com as famílias ajustando os seus próprios limites e rotinas.
É urgente educar as novas e futuras gerações para o uso consciente dos dispositivos e principalmente das mídias sociais. Para crianças menores de 10 anos, das quais as medidas propõem a proibição total de uso, substituir os dispositivos por atividades físicas e interações sociais é fundamental para estimular habilidades críticas e a criatividade. Isso também se deve ao fato do desenvolvimento do cérebro, que é impactado profundamente quando nossas crianças e jovens são expostas ao ambiente digital. O não conhecimento desses impactos, faz com que as pessoas minimizem e desconsiderem as consequências futuras, que são gravíssimas e comprovadas cientificamente como preocupantes.
Já para os alunos mais velhos, a autorregulação e o uso pedagógico supervisionado são indispensáveis. Porém existe um período na adolescência em que o cérebro dos jovens estão em grande produção de conexões neurais, que não podem ser desprezada com o uso abusivo desses dispositivos. O uso de estratégias educativas e éticas, são fundamentais para prevenir esses danos, pois agem de forma preventiva, capacitando os jovens a identificação dos riscos online, e a reagir frente a interações com desconhecidos em jogos e a situações de assédio, entre outras exposições perigosas e desnecessárias.
Programas que integram a convivência mora; e ética, a psicologia positiva a formação de caráter são nossas aliadas frente a esse quadro e nos ajuda a criar as estratégias curriculares e intervenções positivas que os levam a experiências enriquecedoras na rotina escolar. Os alunos desenvolverem uma relação saudável com o digital, se tornam aptos a identificar ambientes vulneráveis e seus perigos, e são capacitados a fugir dessas armadilhas digitais.
Ao desenvolverem autoconhecimento, resiliência e capacidade de autorregulação, os alunos se tornam aptos a equilibrar o uso da tecnologia com as demandas do mundo real. Nesse sentido, a proposta de saúde mental dos projetos legislativos, que inclui o acolhimento de alunos e a capacitação de professores, é essencial para enfrentar os desafios trazidos pela tecnologia.
É no equilíbrio que se encontra a solução para o dilema dos celulares em sala de aula. Basta lembrarmos que tablets, notebooks e lousas digitais são usados em sala de aula há um bom tempo, e trouxeram inovação tecnológica para os ambientes acadêmicos. Não se trata apenas de restringir ou liberar, mas de criar um ambiente onde a tecnologia seja uma ferramenta e não um obstáculo ao aprendizado e ao desenvolvimento humano.
E também, e talvez o mais importante é certificarmos que o uso desses dispositivos está bem claro e com um propósito muito bem definido. Bem diferente do uso sem propósito, quando eles passam horas e horas rolando as telas, passando de uma tela para outra tela, ou jogando, sem sequer se dar conta do tempo que foi literalmente perdido.
É nosso papel, como educadores, formar indivíduos que, não apenas dominem as ferramentas tecnológicas, mas que também saibam viver de forma ética, criativa e conectada com os valores universais e humanos. O uso ou proibição de celulares na escola exige uma transformação cultural na maneira como educamos nossas crianças e jovens para lidar com o mundo digital. Afinal, a educação deve sempre priorizar aquilo que nos torna, acima de tudo, seres sociais: nossa capacidade de pensar, sentir e transformar o mundo ao nosso redor.
A autora: Ana Claudia Favano é gestora da Escola Internacional de Alphaville. É psicóloga; pedagoga; educadora parental pela Positive Discipline Association/PDA, dos Estados Unidos; e certificada em Strength Coach pela Gallup. Especialista em Psicologia da Moralidade, Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização, Educação Emocional Positiva e Convivência Ética. Dedicada à leitura e interessada por questões morais, éticas, políticas, e mobiliza grande parte de sua energia para contribuir com a formação de gerações comprometidas e responsáveis.