Da janela do avião, assim que avistou o entardecer luminoso na cidade de Copenhague, na Dinamarca, a ex-aluna da Escola Técnica Estadual (Etec) Parque da Juventude, na Capital, pensou, assombrada: “olha aonde a educação está me levando”. Em 2023, nove anos depois de concluir o Ensino Médio Integrado ao Técnico em Administração, Fernanda Mariano Mateus da Silva estava prestes a desembarcar no velho continente, a convite da Academia Europeia de Marketing, para apresentar um artigo sobre humanização das marcas.
Em 2014, incentivada pela irmã mais velha e por uma tia, ambas professoras da rede pública, a estudante ingressou na Etec. Seguiu-se a graduação na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), período em que conquistou, por meio da universidade, duas bolsas para estudar no exterior e viu seu trabalho de conclusão de curso (TCC) ser convertido em artigo para publicação. Com a pesquisa, Fernanda chegou à Dinamarca. Ainda antes, em 2019, ela já havia ido longe: nesse ano, foi admitida na multinacional de tecnologia Google, onde ainda trabalha como gerente de Marketing.
Porta-voz
“Já na primeira série da Etec, nas aulas de ética e cidadania organizacional, criei uma empresa fictícia com outros cinco colegas. Durante dois anos, tudo o que aprendíamos nas aulas era aplicado na empresa: planos financeiros, planos de marketing, noções sobre cultura organizacional, público-alvo. Eu fazia isso quando tinha quinze anos, imagina!”, conta Fernanda, admirada. “Replico essas práticas até hoje no trabalho”, diz.
Informar os jovens sobre as possibilidades de estudo à disposição é uma prática que Fernanda não abandona. Durante a graduação, foi porta-voz do curso de Administração no programa USP e as Profissões, realizado anualmente para tirar dúvidas de aspirantes a alunos da instituição. Fernanda passava três ou quatro dias em um estande recebendo grupos de jovens.
As demandas eram díspares. Enquanto estudantes de colégios particulares mostravam-se diretos, ávidos por informações como nota de corte ou possibilidades de intercâmbio, aqueles provenientes de escolas públicas perguntavam o que era a USP, se era paga, onde ficava. “Ali eu percebi como a comunicação é importante para que os estudantes abram seus horizontes”.
“Minha jornada tem sido possível porque havia sempre alguém para me dizer que existia a Etec, a USP, a Academia Europeia de Marketing. Eu não nasci sabendo nada disso”, avisa. “Os amigos e professores estiveram sempre ao meu lado e fiquei sabendo de uma vaga no Google por meio de uma amiga.” Fernanda não sabia que a cada ano o Google disponibiliza um programa de estágio para jovens negros.
Rumo a Nova York
Ainda na graduação, Fernanda conquistou uma bolsa de estudos para a New York State University, onde ficou um mês aprimorando o idioma inglês. Foi a primeira vez que pôs os pés em um avião, ainda sem saber que continuaria a voar. E muito. O ano mais agitado foi 2023, quando uma outra bolsa de estudos a levou a Córdoba, na Argentina.
Durante a viagem à Dinamarca, no mesmo ano, fez questão de conhecer a cidade de Odense, terra natal de Hans Christian Andersen, famoso por seus livros infanto-juvenis. De lá, rumou para Alemanha – queria ver a História de perto, do espaço ocupado pelo Muro de Berlim, erguido em 1961 e posto abaixo em 1989, ao imponente Portão de Brandemburgo. Ficou um mês no país, de férias.
Hoje, aos 27 anos, depois de outras viagens internacionais e trabalhando em período integral, a ex-aluna da Etec Parque da Juventude faz parte do programa Alcance, da Fundação Lemann, que seleciona jovens brasileiros para ingressar na Ivy League, um grupo de universidades de primeira linha dos Estados Unidos.
Cada minuto conta
A fim de conquistar a bolsa na Ivy League, Fernanda aproveita cada minuto para estudar. É o que ela faz à noite, depois do trabalho, mas ainda no escritório, antes de vencer as duas horas que separam a sede do Google, na avenida Faria Lima, até Lauzane Paulista, na zona norte, onde sempre morou.
“Depois que a gente chega em casa, adeus disposição”, diz. Fernanda tem pais e 11 irmãos que vibram a cada conquista da estudante. E a cada viagem. “Trago chocolate com caramelo para minha mãe e meus irmãos, além de uma camiseta de cada lugar que visito para o meu pai”, conta. “É uma forma de levá-los comigo.”