Nasci mulher, feminina e feminista, mesmo sem nem saber o que era isso. Sou a caçula de três filhos. Única mulher. Nascida na década de 70, num lar estabilizado e estruturado, onde nada me faltou, tanto financeiramente quanto emocionalmente. A vida era bela!
Com nove anos precisei me virar sozinha, dentro de minhas possibilidades enquanto criança, pois meu irmão do meio estava “dando trabalho” e minha mãe voltou-se totalmente a ele.
Cresci e amadureci vendo coisas que me engrossaram a casca, porém nunca perdi a feminilidade que preservo até hoje (uma coisa nada tem a ver com a outra, diga-se de passagem). Ao mesmo tempo, ganhei uma enorme independência emocional e a certeza de que eu poderia fazer qualquer coisa a qual me dispusesse. E assim foi.
Hoje, nada me abala e tudo me ensina!
Essa introdução, pessoal e íntima, serve para demonstrar que a mulher é um ser infinitamente forte, organizado e determinado, e que quando você se preocupa em construir a realidade que deseja viver, dia após dia, a vida retribui e as vitórias vêm.
Entretanto “muita água ainda precisa rolar debaixo dessa ponte” para que, efetivamente, nós mulheres tenhamos os mesmos direitos e deveres que os homens. A história conta um pouco dessa árdua trajetória trilhada por nós, através de muita luta e participação ativa.
Para exemplificar trago Getúlio Vargas, que era simpatizante da causa feminista, sobretudo no tocante ao direito de voto. Em 1932, através dele, foi promulgado o novo Código Eleitoral, cuja comissão de redação contou com a participação de Bertha Lutz (a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras).
Estava então assegurada a cidadania política às mulheres brasileiras, embora sem a exigência da obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto. Os arts. 2º e 21 do novo Código Eleitoral continham os seguintes textos:
Art. 2º. É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.
(…)
Art. 121. Os homens maiores de sessenta anos e as mulheres de qualquer idade podem isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral.
Posteriormente, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 ratificou o direito constitucional de voto das mulheres.
Todavia, a igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher somente veio com a Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso I, da CF/88: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Dessa maneira, há igualdade em direitos e obrigações para homens e mulheres. Por direito, entendemos que é aquilo que pertence ao indivíduo em razão de normas, deste modo, homens e mulheres tem os mesmos direitos assegurados. Sobre obrigações, entenda como o dever que é incumbido ao homem e a mulher.
Nos primórdios havia o pater famílias, onde o poder familiar era exercido pelo homem e a mulher era submetida às vontades de seus maridos. Hoje em dia, muitas mulheres dividem os gastos de casa com seu cônjuge, outras até ganham mais que os homens e algumas sustentam a família sozinha. Ou seja, essa tal de igualdade de direitos e deveres foi bom para todos, não é mesmo?
Porém, não podemos deixar de observar que ainda existem diferenças “negativas” entre homens e mulheres no mercado de trabalho, que são: cargo, salário e possibilidades. Uma pesquisa do IBGE mostra, por exemplo, que, em 2019, as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante obtido pelos homens. Nos cargos de direção e gestão, as mulheres receberam 61,9% do recebimento dos homens e nas profissões de ciências e intelectuais, essa diferença é de 63,9%.
A pesquisa fala também sobre as mulheres, apesar de possuírem níveis educacionais maiores que os homens, ainda terem menos oportunidades. Na população com 25 anos ou mais, somente 37,1% das mulheres não possuíam nenhuma instrução ou tinham o ensino fundamental incompleto, enquanto entre os homens o percentual é de 40,4%. E isso se dá no mundo todo, não só no Brasil.
Note-se também que a vida pessoal das mulheres, como o caso de serem mães e cuidadoras dos seus lares, fazem com que elas tenham, além de espaço menor no mercado de trabalho, uma carga horária total de trabalho (fora e dentro de casa) muito maior que a dos homens.
Agora falando em leis, em setembro de 2022, no Brasil, entrou em vigor a Lei nº 14.457/2022, que institui o Programa Emprega + Mulheres e prevê expressamente a igualdade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função. Porém, como não houve alteração na CLT, na prática as mudanças podem não ocorrer. Ou seja, a luta continuará.
Porém, existem as diferenças de gênero que trazem contribuições para o mercado de trabalho e que, num futuro próximo, esperamos que sejam as únicas das quais falaremos.
Mulheres e homens são seres biologicamente diferentes e, com isso, trazem visões diferentes com relação à forma de agir, pensar e ser no mercado de trabalho. Essas diferenças devem ser vistas de forma positiva e utilizadas, inclusive, de forma estratégica.
Há cinco características femininas que são muito valorizadas do mercado de trabalho: gestão de relacionamento, profissional multitarefas, sensibilidade aguçada, boa imagem pessoal, capacidade de superação e perseverança. Enquanto, se fôssemos listar as características masculinas essas seriam distintas e, talvez, até opostas.
Estudos comprovam que há diferenças cerebrais entre homens e mulheres, que interferem na forma com que cada gênero atua. Muitas empresas já entenderam essas diferenças e as utilizam estrategicamente. Colocam homens em cargos mais técnicos e mulheres em cargos nos quais se utiliza a empatia, por exemplo.
Utilizar a diferença entre homens e mulheres de forma positiva, agregadora e construtiva é o caminho a ser seguido. Enxergar que existem diferenças, e valorizá-las, é o que fará com que tenhamos um mercado de trabalho, e um mundo, com desigualdades de gêneros “positivas”.
Atualmente, creio que o maior receio das mulheres de se colocarem em posição de buscar seus direitos não tem relação somente com questão salarial e de função a ser ocupada, mas sim, e infelizmente, com muitas outras questões. A violência e represália contra as mulheres é uma infeliz realidade no Brasil. Em muitos países onde o patriarcado ainda tem uma influência muito maior, essa situação de diferença é tão ou muito mais marcante. Ainda bem que leis estão sendo elaboradas e aplicadas cada vez mais em prol de nossa integridade física e garantia de nossos direitos.
Para concluir deixo minha visão pessoal sobre mulheres e homens: eles se complementam!
Basta que saibamos respeitar as conquistas uns dos outros, valorizando o ser humano conforme sua capacidade e abrindo a mente para a ideia de que as mulheres chegaram para ficar, tanto na política, quanto na sociedade e no mercado de trabalho.
Desde sempre lutei pelos meus objetivos e acabei abrindo caminho para muitas outras mulheres, inclusive minha filha. Nunca pensei em me impor ou me vitimizar por ser mulher, em nenhuma circunstância, simplesmente segui com naturalidade a estrada da vida, sem me preocupar se os obstáculos que apareciam surgiram por eu ser mulher ou não.
Sempre pensei: obstáculos são para serem superados. Então fui lá e superei.
*Ana Claudia Cardoso Braga é advogada da Toledo e Associados, especializada em Direito Internacional e Imigração e Membro da Comissão de Direito e Relações Internacionais da OAB/SP, subseção Santos.