Case: jovens jornalistas transformam projeto em veículo inovador na cidade de Poções, sudoeste da Bahia

Coreto, na cidade de Poções, estado da Bahia, é um monumento que data do ano de 1949. Local utilizado para reunir a população em torno de apresentações populares e como ponto de encontro para a movimentação na região, foi o símbolo escolhido para representar o encontro entre a vocação e a vontade de fazer jornalismo com a cara da localidade e para a localidade.

Com essa premissa e com uma proposta de ecoar a voz da cidade, Raquel Rocha (que contou sobre o veículo para a Aurora News) e Leila Costa, em 2018, ainda universitárias, acreditaram no propósito de oferecer para a população um trabalho jornalístico pautado em princípios que fossem para além dos praticados pela infinidade de “blogueiros” que cobriam a cidade.

Valorização da identidade regional, análise de fatos e impulsionamento do debate público, compromisso ético, reportagens descentralizadas, práticas de apuração com diversidade, pesquisa e colaboração, além de uma linha editorial independente e sem vínculo político-partidário. A descrição pode parecer utópica, mas foi o compromisso que levou a ideia a se tornar realidade com o lançamento do Site Coreto em maio de 2022, com direito a evento na Câmara Municipal da cidade de Poções.

O projeto obteve apoio do programa “Acelerando a Transformação Digital”, promovido pela Meta Journalism Project, e pelo International Center for Journalists (ICFJ).

A primeira aparição da equipe jornalística como site foi desafiadora. A pauta se tratava de um caso de transfobia, sofrida por um adolescente que teve o direito ao uso do nome social negado em contexto escolar. “Foi um caso grave de violação de um direito constitucional e ninguém ainda havia publicado sobre isso. Então a Leila foi na casa, conversou com a mãe da vítima e fizemos a matéria. No lançamento do site todos os olhos da cidade voltaram para nós. Um caso muito triste, que talvez não tenha sido o primeiro, mas foi o primeiro que teve cobertura jornalística local”, explica Raquel.

Site Coreto rapidamente se destacou na cobertura de pautas locais com profundidade e seriedade, provando a necessidade de um jornalismo independente na região. Para criar uma comunidade de leitores, a estratégia das jovens jornalistas foi passar cerca de um ano publicando conteúdos educativos com conceitos básicos de jornalismo somente no instagram, além de manter grupos de whatsapp com interessados.

O desafio da sustentabilidade financeira e as saídas criativas

Como grande parte de profissionais que atuam no chamado jornalismo independente, os membros do Site Coreto dividem o tempo entre o trabalho em outras empresas, atuação como freelancers, bolsas de estudo e outras possibilidades individualmente.

Enquanto equipe, o Site Coreto tem se apoiado em editais de financiamento desde sua fundação. Inicialmente, essa estratégia foi relativamente fácil, mas, nos últimos tempos, tornou-se bastante desafiadora. Isso ocorre porque os editais estão se tornando cada vez mais específicos em suas exigências, de acordo com a análise da cofundadora Raquel Rocha.

“Nem sempre o jornalismo local tem muito foco nessas especificidades cobradas em muitos editais que, por exemplo, já estão tratando somente da questão climáticaquestões de gênero… Nós cobrimos, mas sabemos que não é um foco. E, geralmente, esses editais dão preferência a veículos que se qualificam assim”, afirma Raquel.

Outro obstáculo é que muitos editais exigem que os candidatos sejam organizações sem fins lucrativos, algo que o Coreto não é formalmente. “Os que não são tão específicos são para organizações sem fins lucrativos. Embora o Coreto seja assim em ações, ele não tem um CNPJ de ONG. Então, estou percebendo essas dificuldades”.

Apesar disso, o Site Coreto teve sucesso em alguns editais importantes. Além do ICFJ em parceria com o Meta, também já participaram do GNI Startups Lab do Google. “Ainda no meio de 2022, sem completar um ano de lançamento, fomos aprovados. Foi uma coisa que eu nem sei explicar como. Era a segunda edição e ainda não tinha foco em veículos locais. Só foram aprovados dois veículos de cidades do interior e o Coreto foi um deles”, conta Raquel.

Com o recurso de mais de 100 mil reais do edital do Google, o Coreto conseguiu se manter até o final de 2023. “Pegamos esses 100 mil reais e fizemos um milagre com ele. Basicamente pagou o meu trabalho e o da Leila. Na época, Dani e Natali, que hoje são jornalistas, eram estagiárias, então bancamos o estágio delas por um ano. Leonel, nosso multimídia, era pago por trabalho, não tinha um salário fixo.”

Esses recursos foram cruciais para o crescimento e a manutenção do Coreto, permitindo que o veículo continuasse a desempenhar seu papel na comunidade de Poções. Atualmente, apostam na condução de trabalhos também nos eixos de cultura e educação midiática, o que já proporcionou a aprovação de projetos nesse campo, obtendo recursos via Lei Paulo Gustavo.

Raquel explica como funciona esse movimento em busca de recursos. “Trabalhamos em três eixos: produzir jornalismo, educar e fomentar a cultura. Entendemos que, para um modelo de negócio, faz sentido ter financiamento de leis de incentivo e, ao mesmo tempo, atender à nossa audiência. Estamos organizando formações voltadas para a realidade local e planejando produtos culturais como exposições fotográficas“.

Com uma estratégia de comunidade engajada, o Site Coreto também utiliza grupos no WhatsApp para receber pautas e manter um diálogo aberto com os leitores. “Temos um grupo aberto para a comunidade falar e um canal que só recebe informações. Isso tem sido importante para nossa cobertura“, comenta Raquel.

Em 2023, uma parceria entre o Projeto Caravana Abraji (da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Site Coreto, com apoio do Site Avoador e do Programa de Jornalismo como Transformação Social, coordenado pela professora Carmen Carvalho, proporcionaram um evento de educação midiática para comunicadores e a comunidade local.

Com o tema “Jornalismo local e a participação comunitária na cobertura das eleições”, a comunidade obteve acesso a informações sobre como fortalecer a mídia local durante as coberturas eleitorais e a criação de uma rede de comunicação que atenda às demandas da população.

Compreensão de local e hiperlocal

Dentro do jornalismo local, existem diferentes formas e realidades que variam conforme a região. Falar de jornalismo local em São Paulo ou Rio de Janeiro é uma coisa; falar no interior do Nordeste é outra, ainda mais quando se compara com as capitais nordestinas. Em Salvador, por exemplo, é mais fácil se projetar no jornalismo local do que em Poções.

Acompanhando essa análise, a jornalista Raquel Rocha explica o uso do termo hiperlocal nas comunicações do Site Coreto.

“O interior da Bahia é vasto, e as pessoas só se interessam por ele por motivos muito específicos. É por isso que usamos o termo hiperlocal para descrever nosso jornalismo. Claro que muita coisa mudou desde o nosso início. Mas tentamos traduzir nosso jornalismo que não é voltado só para o sudoeste da Bahia ou para o interior da Bahia em geral, mas para uma microrregião dentro do interior da Bahia, que inclui Poções e algumas cidades vizinhas que ainda aparecem pouco”.

Colaboração como diferencial

Para as próximas eleições, o Site Coreto planejou uma cobertura inovadora e colaborativa. Será lançada uma espécie de central de correspondentes composta por grupos de WhatsApp segmentados por bairros da cidade e zonas rurais. Esses grupos incluirão pessoas dessas localidades, que irão fornecer atualizações em tempo real. A partir dessas informações, será possível identificar pautas e decidir o que será coberto. Essa abordagem permitirá ao Site Coreto acessar regiões que normalmente não conseguem alcançar.

O foco será em matérias mais aprofundadas, porém sem grande cunho investigativo, visando à segurança dos envolvidos. A ideia é apresentar reportagens que façam a população repensar modelos de gestão das políticas públicas. Parcerias com outros veículos também estão no planejamento das ações.

Nesse sentido, Raquel Rocha destaca o papel crucial da colaboração. O Coreto não teria alcançado reconhecimento sem a colaboração de outros veículos, os quais ela cita o Site Avoador e Conquista Repórter, bem como da comunidade. Raquel aconselha aqueles que estão começando no jornalismo local a serem resilientes e corajosos, reconhecendo que o caminho não é fácil, especialmente fora dos grandes centros.

“Parece clichê, mas é verdade. Se é difícil para quem está em São Paulo, é muito mais difícil para a gente”, observa. Ela menciona as dificuldades enfrentadas, como a xenofobia e a falta de diversidade nos editais, que muitas vezes exigem uma estrutura que veículos do interior não possuem. É preciso sustentabilidade financeira, sabemos.

“O Coreto fez o que fez porque se apoiou na colaboração com outros veículos e com a comunidade. Essa ideia de concorrência é perigosa. O jornalismo é colaboração”, diz. Ela aconselha profissionais dos veículos do interior, especialmente do Nordeste, a conhecerem a realidade do Sudeste para aprender a “hackear”, nas palavras dela, o sistema e garantir financiamento.

“O que dá orgulho é que a gente não desistiu e conseguimos fazer Poções, pela primeira vez, se enxergar como potência, não apenas como mais uma cidade pacata do interior da Bahia”.

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